Thursday, June 15, 2006

moi + raymond qeneau

Ele chegou à porta, ligou a lanterna e deu um suspiro. O cachorro levantou as orelhas, nada. Ele fechou a porta. Ela estava na cozinha, que não era dela, preparando um abacate com ingredientes e talheres que não eram dela, dona da mobilidade e do silêncio, as coisas dela na casa.

Cedo ela teve uma intuição: se comprasse James Joyce, jamais ganharia o Cervantes. Ela levava esse assunto de livros muito a sério. Lembrou-se da vez em que ganhou Lorca. Catastrófico. “Olhos nos olhos”... James Joyce, sem dúvida.

Preparou duas tigelas para o abacate, pingou limão e levou pra ele. Doce demais.

O cachorro latiu de novo. Ele abriu a porta, ela foi pra rua, acariciou o animal, que lhe ofereceu a barriga. Ele nem ligou a lanterna. O cão revelou-se indigno de sua raça.

Acabaram a noite sem muitas surpresas. Ele foi deitar-se ao lado dela. A TV, na sala deserta e escura, transmitia para as moscas os funerais da princesa; ele entretanto, apenas agonizava. Deixara a TV ligada de propósito. Ela dormia na cama, que não era dela, com lençóis e travesseiros, que não eram dela, agora dona, apenas, do silêncio.

Quando acordaram de manhã, a TV seguia ligada. O governador, nesse dia, baixou um decreto instituindo uma nova condecoração. Ele achou ridículo. Ela sorriu e disse bom dia.

1 comment:

larissa bueno ambrosini said...

raymond q. é um escritor francês. isso é um exercício literário chamado 'logorally de frases'. é isso. obrigada pelos mails.