Wednesday, September 20, 2006

johannes dahlmann*

*mote: 'o sul', jorge luis borges
[com o perdão da heresia:]

Isso a que chamam atavismo, livrei-me. Escolhi. O que distingue, verdadeiramente, o homem é a faculdade do livre-arbítrio. Um homem não é um acidente de seu destino, é um acidente de sua escolha. A morte clareia as idéias sobre a vida. Estou a morrer sem ressalvas. Tenho um corte nas vísceras, como uma solução de continuidade da minha existência. E registro.

Na vida o homem é consciente de suas linhagens para gostar de ruminá-las ou não. Eu nasci germânico e espanhol no meio de uma província rural. Poderia me convir a religiosidade e temperança de alma do meu avô Dahlmann, mas de melhor senso estético, julguei as heranças de Francisco Flores, pai de minha mãe, morto lanceado pelos índios de Catriel.

A vida desse meu avô hispânico era um épico militar, desde que se juntou à tropa do 2º. Batalhão de Infantaria de Linha. Ainda moço, mas, contam, com bigode de homem. Inteirava-se pouco dos particulares domésticos. Passava em campanha, cuidando de inaugurar batalhas, dado seu posto em tropa.
Quando eu era guri, me chamava de ‘Senhor Dahlmann’, enquanto tomava um mate que cozinhava minha língua miúda, e ouvia o que era do gado da estância pela peonada no galpão. Depois ele mesmo encilhava a égua, baia ruana, boa de boca, aprumo e temperamento, e saia recorrer a gadaria. Uns dias mais, ele juntava as encilhas e voltava pra campanha.

Eu mantive a estância no sul, aquela de meu avô Flores, a custo de sacrifícios. O trabalho na biblioteca, sendo mui meticuloso, não permite grandes ausências.

Há vinte dias, pensei, equivocadamente, que morria. Restabeleci-me. Fui para o sul, passar temporada.

Ruminei Francisco Flores a vida toda, até que aquele índio no canto do bolicho, sentado nos calcanhares, me alcançasse sua adaga. Fui provocado. Estava desarmado. O índio não disse palavra. Seu olhar me cobrou a linhagem.

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