Friday, July 28, 2006

(a carta da paixão) *

Esta mão que escreve a ardente melancolia
da idade
é a mesma que se move entre as nascenças da cabeça,
que à imagem do mundo aberta de têmpora
a têmpora
ateia a sumptuosidade do coração. A demência lavra
a sua queimadura desde os seus recessos negros
onde se formam
as estações até ao cimo,
nas sedas que se escoam com a largura
fluvial
da luz e a espuma, ou da noite e as nebulosas
e o silêncio todo branco.
Os dedos.
A montanha desloca-se sobre o coração que se alumia: a língua
alumia-se: O mel escurece dentro da veia
jugular talhando
a garganta. Nesta mão que escreve afunda-se
a lua, e de alto a baixo, em tuas grutas
obscuras, essa lua
tece as ramas de um sangue mais salgado
e profundo. E o marfim amadurece na terra
como uma constelação. O dia leva-o, a noite
traz para junto da cabeça: essa raiz de osso
vivo. A idade que escrevo
escreve-se
num braço fincado em ti, uma veia
dentro
da tua árvore. Ou um filão ardido de ponto a ponta
da figura cavada
no espelho. Ou ainda a fenda
na fronte por onde começa a estrela animal.
Queima-te a espaçosa
desarrumação das imagens. E trabalha em ti
o suspiro do sangue curvo, um alimento
violento cheio
da luz entrançada na terra. As mãos carregam a força
desde a raiz
dos braços a força
manobra os dedos ao escrever da idade, uma labareda
fechada, a límpida
ferida que me atravessa desde essa tua leveza
sombria como uma dança até
ao poder com que te toco. A mudança. Nenhuma
estação é lenta quando te acrescentas na desordem, nenhum
astro
é tao feroz agarrando toda a cama. Os poros
do teu vestido.
As palavras que escrevo correndo
entre a limalha. A tua boca como um buraco luminoso,
arterial.
E o grande lugar anatómico em que pulsas como um lençol lavrado.
A paixão é voraz, o silêncio
alimenta-se
fixamente de mel envenenado. E eu escrevo-te
toda
no cometa que te envolve as ancas como um beijo.
Os dias côncavos, os quartos alagados, as noites que crescem
nos quartos.
É de ouro a paisagem que nasce: eu torço-a
entre os braços. E há roupas vivas, o imóvel
relâmpago das frutas. O incêndio atrás das noites corta
pelo meio
o abraço da nossa morte. Os fulcros das caras
um pouco loucas
engolfadas, entre as mãos sumptuosas.
A doçura mata.
A luz salta às golfadas.
A terra é alta.
Tu és o nó de sangue que me sufoca.
Dormes na minha insónia como o aroma entre os tendões
da madeira fria. És uma faca cravada na minha
vida secreta. E como estrelas
duplas
consanguíneas, luzimos de um para o outro
nas trevas.

* Herberto Helder, 1995.

[ absoluta falta de tempo.
entre o concreto e o simbólico, o saguíneo e o incêndio, me deleita à morte herberto helder.
e.e. cummings escreveu meus versos (quase) preferidos. ]

Friday, July 21, 2006

" [...] ninguém
nem mesmo a chuva
tem mãos tão pequenas."

e.e.cummings

Tuesday, July 18, 2006

Eu entrei, não porque gostasse do lugar, nem pela comida, não porque eu conhecesse o dono, nem seu único cliente. Triste estar vazio. Mas seria absurdo que estivesse cheio.

Tomar algo era uma distração que me serviria de momento. O rádio tocava músicas com temas amorosos. Terrível. Algumas canções eu conhecia, mas não fazia questão. A sintonia era péssima, chovia dentro do rádio. Quando Nelson Gonçalves cantou “Boneca, noturna / Que gosta de lua / Que é fã das estrelas / Que adora o luar”, desejei uma noite de sol para lhe ouvir. Depois, que chovesse, que caísse neve e temporal. E choveu. Do rádio chovia, chovia nas ignominiosas canções de amor, na chamada esportiva, no boletim meteorológico, no plantão policial que iniciava às três da madrugada, na medonha seleção musical dos ouvintes...

Olhei para o meu copo. Já havia me distraído o suficiente. Juntei minhas pernas e saí. Lá fora, amanhecia.

Wednesday, July 12, 2006

c'est la vie. e é bom!

no sarau, guimarães rosa. tudo. fischer, buf.
mensagem do além. tem gente q ressuscita.
outras se matam. eu, de sono.
música!

almoço legal.
tricô pela web. agulhas número 7.
na vida real, roupa individual.
carreiras sem arremate e casas próximas!

adoro me mudar.
só depois.
odeio encaixotar minhas coisas frágeis.

não, não é poesia. nem homeopatia.
c'est la vie.
sinteticamente.

Thursday, July 06, 2006

j'adore

desde ontem
me diz pela manhã:

'Minha intimidade se cobrirá com o teu gosto.'

ele me anoitece
hoje
absoluta
e infinita
período mensal,
visceral.
sanguíneo.
triiim na madrugada.
nasci de água e sal,
essa manhã.
desde ontem.

Sunday, July 02, 2006

sortimentos

mistérios gozosos são os mistérios da alegria, do terço – ou seria do rosário? o primeiro é a anunciação do nascimento de jesus à maria, pelo arcanjo gabriel. os demais, je ne me rapelle pas. catequese, nada?
ok, aconteceu há anos luz, e, por exemplo, a única coisa da catequese que a minha irmã mais nova se lembra é de q adultério é pecado. eu me lembro q me sentia o último dos indivíduos quando me confessava. sacrifício necessário e requerido para descobrir afinal, qual era o gosto da hóstia.
prematuramente, no entanto, descobri q a hóstia era idêntica a uma parte do torrone – à parte externa, lógico. resultado: me desinteressei da hóstia.
nesse mesmo período descobri o q foi a inquisição e li ‘as brumas de avalon’ – quem não leu? resultado: me desinteressei da igreja.

p.s. existem outras classes de mistérios na religião católica apostólica e romana: os mistérios da dor, por exemplo, os da luz. mas nenhum tem essa sonoridade quase simbolista: ‘mistérios gozosos’... e cada um, afinal, q goze como lhe aprouver.

p.p.s. a leitura do referido livro – as brumas, na minha irmã gêmea causou outra sorte de marca indelével, além, é claro de uma ojeriza pronunciada - aos quatro ventos por ela - à igreja católica apostólica e romana. seu ‘modelo de homem ideal’ – redundando mesmo e de propósito – tornou-se: uther, o pendragon.

outras solicitações [úteis?]:
sahlins é um antropólogo. trabalha com antropologia econômica - isso existe. parafraseando keynes, diz q, a longo prazo, todos estaremos é... *errados*.

ercília é uma das cidades do reino de kublai khan, descritas pelo [embusteiro - mas adorável] marco polo, em 'cidades invisíveis' - italo calvino. em ercília as pessoas teciam fios entre as casas, materializando relações de trabalho, de amizade, de amor etc etc. evidentemente q as relações são dinâmicas e daí pra coisa virar uma 'nozeira' não precisa muito tempo. quando acontece, eles cortam os fios abandonam a cidade e recomeçam em outro lugar. das 'invisíveis', é minha preferida.


sobre copa do mundo, nada. a não ser:
. meu comentarista particular - q é mais sabido - muuuito, mas muuuito mais - q todos os 'óbvios' da equipe da tv globo juntos - aposta na alemanha.
. eu, sou felipão+figo futebol clube.